Felipe Felisbino | Professor
O episódio recente no Rio de Janeiro reacende uma velha e dolorosa pergunta: quem tem razão quando a violência chega ao limite, o policial que atira ou o bandido que morre? O Estado, em sua essência, existe para proteger a vida, garantir a ordem e preservar o bem comum. Quando um agente da lei puxa o gatilho, teoricamente, o faz em nome da segurança coletiva. Mas há algo de trágico em qualquer ato que culmina na morte de um ser humano, ainda que este tenha escolhido o crime como ofício.
Sim, o bandido exerceu seu livre-arbítrio. Optou pelo mundo do crime, pela ilusão de poder e dinheiro fácil. É inegável que o Brasil é um país desigual. Porém, temos histórias de pessoas desprovidas, que resistiram à tentação do crime e venceram pela honestidade, sustentadas apenas pela dignidade e pela fé. Essa escolha, a mais difícil, é também a mais humana. A pergunta que uma sociedade madura precisa fazer não é apenas “quem estava certo?”, mas “como chegamos até aqui?”.
O crime é o fruto amargo de uma árvore social malcuidada, mas isso não apaga a responsabilidade individual de quem decide roubar, matar e destruir. Reconhecer o contexto social não significa anular o livre-arbítrio. Significa compreender que cada bala perdida é também um pedaço do país que se perdeu em algum momento. A sociedade e o Estado não podem ser coniventes com o mal, sob o pretexto da compaixão ou da desigualdade. Contê-lo, com firmeza, justiça e consciência, é dever moral e civilizatório.
É a velha lição que atravessa os séculos: o mal não se vence com indiferença, mas com o bem em ação. Não basta compreender o erro; é preciso freá-lo, para que o direito de viver não seja engolido pela violência de quem escolheu o contrário. O tiro que silencia o criminoso não silencia o problema. Apenas muda o endereço. Amanhã o mesmo noticiário trará outro nome, outro rosto, outro corpo no chão. Urge tratar o sintoma, para que a guerra interna não siga se alimentando de si mesma. Não é apenas abrir escolas, mas reconstruir valores, exigir presença, resgatar autoridade e restaurar o respeito como linguagem comum entre Estado e cidadão.
O verdadeiro “direito de matar” talvez não seja o da bala que fere, mas o da razão que mata a indiferença. Matar o descaso, a corrupção, a desigualdade e a omissão, eis a legítima defesa que ainda não aprendemos a exercer. Se o Estado mata para sobreviver e o bandido mata para viver, quem ainda luta para que o Brasil aprenda a não morrer moralmente?